O brilho da Lua lhe chegava aos olhos quase o cegava depois do breu que passava nas últimas horas. Não tinha certeza, mas tudo parecia piscar a sua volta, brilhando como vagalumes.
Ergueu a mão e tentou focalizar a imagem calmamente, a mesma estava com manchas vermelhas, parecia sangue, apenas com sua percepção visual, percebeu ser espesso e era fresco. Não sabia o porque das manchas e muito menos o de estar deitado no gramado de algum lugar. Suspirou cansado, virando o pescoço, estudando e tentando reconhecer o local.
Sua mente, estava gravada, marcada e riscada, parecia que tudo havia sido apagado menos uma palavra que se recusava a pronunciar.
Levantou uma das pernas e depois o resto do corpo, tudo parecia explodir em apenas um sentido, dor. Sua voz não saía, eram gemidos. Naquele campo aberto apenas se ouvia o ranger de suas engrenagens biológicas e sua respiração ofegante.
Respirou fundo e se ergueu de apenas uma vez, tentando segurar os gritos, era quase como ossos se quebrando, ou se consertando.
Pôs as mãos nos joelhos, encarando o mar verde e não muito longe árvores imensas abrindo alas para uma escassa floresta. Estava inóspito, não havia som, nada, apenas sua respiração se acalmando. Passou a mão na testa, estava quente, suada e suja de sangue, não havia ferimento aparente, apenas sangue. Pensou novamente naquela palavra, mas a sua aparente amnésia dizia ser apenas mais um conto de fadas.
Se endireitou e seus pés, calçados por tênis all-star negros começaram a andar calmamente, não sabia para que lado, era apenas o seu instinto o levanto em frente. Não sabia como, mas começou a tentar fazer sua mente mexer as engrenagens e trabalhar, tentar descobrir o que ocorrera na última noite, mas quanto mais se esforçava, sentia apenas a branquidão.
Depois de alguns metros, aumentando o ritmo vagarosamente, tentando encontrar civilização e já com a respiração meio ofegante chegou em uma rodovia, o asfalto negro sem carro nenhum a passar ou ninguém a andar. Parecia o fim do mundo.
Olhou para ambos os caminhos e nenhum parecia levar a algum lugar, onde estava era o ponto máximo de uma curva pelo o que parecia, só outro lado da rua, árvores já eram aparentes.
Respirou o mais forte que pode e deu o primeiro passo para atravessar a rua. Quando chegou ao meio da mesma parou repentinamente, parecia que o ar de seus pulmões haviam sido expulsos de forma brusca e sua garganta ansiava para puxar algo levando a pura tosse, seca e junto um nome surgiu, uma memória. Uma garota de longos cabelos negros, olhos castanhos claros e pele cor de âmbar tomaram a sua mente e junto ecoava sua própria voz, que mesmo parecendo que nunca a ouvira, o jovem a reconhecia, "Jéssica".
A tosse se prolongou por alguns minutos até parar e em uma rouquidão repetiu:
- Jéssica - era quase como uma prece, uma vaga lembrança, uma mantra para continuar sendo forte.
Continuou o ritmo, não sabia quem era ou nem ao menos sobre a garota, mas tinha que continuar, pois a cada segundo longe da verdade, parecia que algo se esvaía e o medo preenchia esse vazio, medo de perder algo. "Siga-me" pode escutar a voz de Jéssica, angelical, ecoar por sua mente. Fora noite passada, mas parecia ter sido há seculos.
Já entre as árvores percebeu estar em um declínio e o som da água correr um pouco abaixo era marcante. Parou um pouco e se apoiou na árvore e ao toque áspero da casca lembrou do toque macio da mão dela o tocando, o puxando, o contraste.
"Quieto" pode escutar, se virou tentando procurar a voz imaginária, se deparando com o mar verde novamente.
"Ele está por perto" sentiu seus lábios se moverem, mas não pronunciarem nada. Eram vozes do passado.
"O rio" veio a resposta e sentiu algo puxá-lo, era quase como um sentimento. Se virou, descendo o pequeno morro, sem olhar para cima, tinha medo do que podia ver. Ou quem.
Os seus grandes olhos apenas se reergueram quando o que tomou sua visão deixou de ser o negro da terra úmida para o vermelho, similar ao das suas mãos, mas mais escuro. Se ajoelhou, sentindo uma lágrima correr por seus olhos, passou o dedo, agarrando a pequena gota de água, pelo menos ele achava ser de água até olhá-la com espanto, era meio rosada, vermelha, não sabia dizer o que era, tentando esquecer o fato do que sentia sair dos seus olhos sem motivo e passou a mão na terra apenas para confirmar o que via, a mesma saíra com pequenas gotículas negras de terra, mas inteiramente vermelha, passara a mão em sua calça preta e rezou, rezou tanto antes de se levantar e olhar para a sua frente.
A tarefa de se reerguer se tornara mais simples, parecia que todos os estalos haviam se esvaído, não havia mais dor, ou talvez houvesse, mas todos seus sentidos tenham desligado naquele momento.
Há cerca de um metro de distância de si havia um imenso carvalho e pendurado em um de seus galhos mais altos, estava pendurado, inerte e morta, por uma corda presa pelo pescoço jazia Jéssica, balançando tão pouco que nem parecia se ver. Era a fraca brisa vinda do lago atrás da mesma.
No estômago da mesma estava presa uma estaca branca, se a olhasse de lado, podia ver que atravessava seu corpo. Haviam a matado. "Ele" pensou. "Seja lá quem for" suspirou e abaixou os olhos, estava envergonhado, não conseguia encarar as orbitas castanhas claras, brilhantes o encarando. Ela pedia clemencia e pelo que via, na hora de sua morte, rezara por sua vida e não apenas para esta.
- Finalmente - escutou a voz vindo de traz de si, em consequência sentiu seu corpo estremecer.
Seus músculos começaram a travar e sua respiração se tornar mais ofegante, não tinha coragem de virar, não podia, suas lembranças voltavam calmamente e ele sabia quem era, sabia que aquele tremor e medo eram consequências de sua presença. Respirou fundo.
Das suas lembranças via que treinara toda a sua vida ao lado de Jéssica, os pais e muitos outros para enfrentar ele, mas não conseguia.
O treino é diferente da pratica.
- Pensei que nunca acordaria - escutou a terra fofa de encontro com a bota do personagem logo atrás de você, ele se aproximava - Desculpa, mas eu tive que matá-la. Desculpe-me. Diferente de você, ela nunca aceitaria. - pode escutar os lábios daquele ser se contorcerem em um sorriso de escárnio - Provavelmente tentaria matar seu criador.
Levantou os olhos calmamente, encarando os olhos pálidos de Jéssica.
- Não entendo - disse, mas parecia se dirigir ao corpo imóvel e gélido do que para o homem atrás de si.
Sentiu o hálito quente daquele ser em suas orelhas e escutou calmamente:
- Já vai entender.
Estava usando uma jaqueta de couro, as costas de seu pescoço estavam descobertas e naquele exato ponto, sentiu um toque frio, fazendo todo seu corpo estremecer e junto, memórias de uma vida passada iam surgindo, de uma família que achou que nunca mais lembraria, de um amor, morto a sua frente.
As imagens diante dos seus olhos eram variadas, dos pais até beijos com a namorada, do sorriso sincero e infantil até o treino com facas. As vozes eram claras e nítidas. "Existem pessoas que podem controlar uma certa essência da natureza e algumas causam problemas" e "É o nosso dever impedí-las" além de "Eu sei que o matei e sei que poderia ser uma boa pessoa, mas não podemos arriscar". Respirou fundo, toda sua vida passara diante de si, mas não estava morto, o que era irônico.
Se virou, encarando o jovem pálido atrás de si.
- Alguns são bons, outros maus. Eu sou mal. - ele sorriu em escarnio - E agora você terá de ser.
- O que?
- Seus pais já te explicaram sobre modificar a essência de alguém certo? Cruzar seu gene e espírito com o de animais e assim, criar lobisomens, certo? - seu rosto era de terror, não sabia o que pensar - Antes de magos, se é assim que nos chama, somos alquimistas, químicos.
- Eu sei - respondeu com a voz fria.
- Tudo bem - deu uma longa pausa dando alguns passos para trás - Então, eu preciso de alguém, alguém que seja bom em lutas corpo a corpo, seja corajoso e nunca, nunca pergunte o que estou fazendo, apenas diga "sim" quando eu quiser. Alguém com força e agilidade. Um irmão. Um amigo.
- Eu não posso ser isso. Por que o meu dever...
- É me impedir, eu sei - se virou e havia olhos nos olhos, o do jovem que se dizia mago eram grandes e penetrantes - Sabe, a literatura distorce tanto os vampiros, eu criei um e o pouco de sangue que ele bebeu foi necessário, depois disso, ele apenas... Comia demais - ele sorriu - Mas ele se rebelou, tive que matá-lo. Não cometerei o mesmo erro.
- Você viaja um pouco em seu diálogo.
- Está sem armar, o que pensa em fazer comigo?
- Saiu do assunto novamente.
- Parece calmo, matei sua namorada.
Veio o silêncio. Não diziam nada um para o outro. O primeiro jovem, olhou para o alto, a Lua estava brilhante e grande aos seus olhos, parecia brilhar em vermelho. Se virou olhando a água atrás de si. No lago, esta também brilhava em vermelho, o vermelho do sangue de Jéssica, um vermelho carmim.
Escutou as folhas quebrarem, era um belo som e novamente sentiu um frio na espinha, desta vez, decorrido do toque gelado em sua festa.
- Não lembrará de nada, prometo. Mas seu dever, agora...
"Não sei exatamente o que aconteceu comigo, só sinto meu estômago vazio. Talvez seja fome. Não lembro muito da primeira vez que vira Juliano ou o que aconteceu. Ele apenas me repete sobre o acordo. O considero um irmão por ele ter me acolhido. Pelo menos, é o que lembro. Eu acho. Apenas sei que tenho que protegê-los"
OBS: Olá, pessoas, então, esse spin-off daquele primeiro conto Miosótis do Juliano e seu irmão surgiu na minha cabeça e me deu muita vontade de escrevê-lo. Ficou assim, espero que gostem.
Nenhum comentário:
Postar um comentário